Três em cada quatro executivas relatam sentir a síndrome da impostora, revelam estudos

Três em cada quatro executivas relatam sentir a síndrome da impostora, revelam estudos

Sentir-se inadequada mesmo diante de conquistas profissionais significativas é realidade para grande parte das mulheres em posições de liderança. Pesquisa da KPMG com 750 executivas nos Estados Unidos indica que 75% delas já experimentaram a chamada síndrome da impostora em algum momento da carreira. O levantamento mostra ainda que 85% reconhecem a sensação como recorrente entre mulheres no ambiente corporativo, enquanto 81% admitem exercer pressão adicional sobre si mesmas para não cometer erros.

Outro estudo, conduzido pela Deloitte, reforça o cenário ao apontar índice idêntico de 75% entre profissionais que ocupam cargos executivos. Os números sugerem que o fenômeno psicológico, caracterizado por dúvidas persistentes quanto à própria competência, atinge proporção elevada justamente entre aquelas que lideram equipes e projetos estratégicos.

Para a terapeuta integrativa Fernanda Maiochi, que acumula mais de duas décadas em posições de gestão, a origem do problema está ligada a condicionamentos culturais e expectativas sociais que exigem perfeição das mulheres. Segundo ela, esse modelo leva à autocrítica exagerada, à autossabotagem e ao medo de avaliações negativas. “Há quem não consiga enxergar a própria capacidade e quem crie em pensamento exigências externas impossíveis de cumprir, vivendo sempre no ‘pior cenário’”, observa.

Maiochi destaca diferenças no modo como homens e mulheres enfrentam inseguranças. Enquanto boa parte dos executivos prefere ocultar receios, as profissionais tendem a reconhecer fragilidades e buscar estratégias para superá-las. Esse reconhecimento é apontado por ela como etapa fundamental do enfrentamento da síndrome.

Impactos na saúde mental e na carreira

Consequências do fenômeno extrapolam a sensação subjetiva de insegurança. Revisão sistemática publicada pela MDPI em 2023 associa a síndrome a níveis elevados de ansiedade, exaustão emocional, burnout e fadiga crônica. O estudo também relaciona o quadro à queda de satisfação profissional e produtividade, fatores que podem restringir o desenvolvimento de carreira e comprometer a saúde mental das profissionais afetadas.

Relatos colhidos por Maiochi indicam que a síndrome interfere em decisões cruciais. Algumas executivas recusam promoções por questionarem o próprio mérito; outras se sobrecarregam para provar valor ou, ainda, abandonam metas pessoais por não se sentirem merecedoras. O resultado, afirma a terapeuta, é a sensação contínua de “estar em dívida”, realidade que reforça a autopercepção de insuficiência.

Estratégias individuais e corporativas

Do ponto de vista individual, a especialista recomenda autoconhecimento como passo central. Reconhecer habilidades, falar sobre conquistas de forma objetiva e aceitar que ninguém atende a todos os requisitos de uma função são práticas apontadas por ela como essenciais para reconstruir a autoconfiança. Sessões estruturadas de desenvolvimento emocional ajudam, segundo Maiochi, a “colocar um espelho sem filtro” diante da profissional, desconstruindo bloqueios e reafirmando a autoridade interna.

No âmbito organizacional, a criação de ambientes que legitimem vulnerabilidades aparece como medida de mitigação. A mesma pesquisa da KPMG mostra que 47% das mulheres acreditam que gestores exercem papel decisivo nesse processo, e 29% veem o reconhecimento justo do desempenho como fator importante para reduzir a síndrome. Mentoria, feedback frequente e políticas de inclusão figuram entre as práticas citadas como eficazes.

Desafio estrutural

A lacuna entre homens e mulheres em posições de poder amplia o problema. Dados da Altrata, referentes a 2024, indicam que as mulheres ocupam 32% dos assentos em conselhos administrativos e apenas 22% dos cargos de alta liderança (C-suite) nas maiores empresas dos 20 principais mercados globais. A participação limitada em instâncias decisórias reforça barreiras culturais que alimentam o sentimento de impostura e reduz modelos femininos de referência.

Diante desse quadro, especialistas defendem que a síndrome da impostora deve ser compreendida não como sinal de fraqueza individual, mas como reflexo de dinâmicas organizacionais e sociais. Programas de mentoria, liderança empática, reconhecimento transparente e desenvolvimento emocional são apontados como caminhos para conter a autossabotagem. Para Fernanda Maiochi, alinhar carreira e propósito, sustentado por autoconhecimento, constitui um antídoto poderoso: a profissional passa a enxergar com clareza suas competências, reduzindo o espaço para a sensação de não pertencer.

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