Tiros disparados da Venezuela atingem barco com urnas na Guiana antes das eleições
As forças de segurança da Guiana acusaram esta segunda-feira a Venezuela de abrir fogo contra uma embarcação que transportava funcionários eleitorais e urnas, no rio Cuyuní, zona disputada do Essequibo. O incidente, que não provocou feridos, ocorreu no domingo, poucas horas antes da abertura das urnas para as eleições gerais guianesas.
Disparos partiram da margem venezuelana
Num comunicado conjunto, a Polícia da Guiana e a Força de Defesa guianesa referem que a embarcação escoltava materiais eleitorais para assembleias remotas quando foi alvo de tiros “provenientes da margem venezuelana”. Militares destacados para a proteção do barco responderam de imediato, permitindo que o trajeto prosseguisse sem danos pessoais. As urnas chegaram ao destino e os postos de votação abriram conforme o previsto.
Caracas não comentou o episódio. A troca de tiros surge num momento de tensão crescente em torno do Essequibo, território de 159 500 quilómetros quadrados administrado pela Guiana há mais de um século, mas reclamado pela Venezuela. Em dezembro de 2023, o governo de Nicolás Maduro promoveu um referendo no qual, segundo dados oficiais, mais de 95 % dos votantes apoiaram a incorporação da região.
Disputa territorial mantém-se no Tribunal Internacional de Justiça
Georgetown levou o contencioso ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), reclamando a confirmação das fronteiras definidas em 1899. A Venezuela recusa a jurisdição da corte e insiste em negociações bilaterais. O tiroteio de domingo reforça os receios de que o litígio se agrave num período marcado por exploração de petróleo em larga escala na costa guianesa.
Guianeses escolhem Presidente e parlamento
Esta segunda-feira, cerca de 800 000 eleitores foram chamados às urnas para escolher o Presidente e 65 deputados para os próximos cinco anos. O chefe de Estado cessante, Irfaan Ali, do Partido Progressista Popular/Cívico (PPP/C), concorre a um segundo mandato e lidera nas sondagens. Entre os adversários destacam-se Aubrey Norton, da coligação A Partnership for National Unity (APNU), e o empresário Azruddin Mohamed, que tenta quebrar a tradicional polarização a dois.
Desde a descoberta de grandes reservas offshore em 2015, o Produto Interno Bruto da Guiana quase quintuplicou, segundo o Fundo Monetário Internacional. O governo de Ali canalizou parte das receitas petrolíferas para obras rodoviárias e para o ensino superior gratuito em universidades do Estado. Críticos argumentam, contudo, que os benefícios se concentram em comunidades associadas ao PPP/C, acusação que o Presidente nega.

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Linhas étnicas dominam o cenário político
A divisão eleitoral segue, em grande medida, clivagens étnicas: a comunidade indo-guianesa tende a apoiar o PPP/C, enquanto afro-guianeses votam maioritariamente no Congresso Nacional do Povo, principal força da coligação de Norton. Na legislatura cessante, o partido do Presidente detinha apenas uma vantagem de um assento, pelo que alterações mínimas no padrão de votação poderão influenciar a correlação de forças no parlamento.
Analistas apontam que a candidatura de Mohamed, bilionário com forte presença no setor mineiro, poderá atrair eleitores cansados do bipartidarismo, abrindo espaço a surpresas na contagem final. As assembleias encerram às 18:00 locais (22:00 GMT) e os resultados preliminares são esperados nas próximas 48 horas.
Segurança reforçada e alerta diplomático
Após o incidente no Cuyuní, as autoridades guianesas incrementaram patrulhas terrestres e fluviais na fronteira oeste. O Ministério dos Negócios Estrangeiros de Georgetown informou ter notificado a Organização dos Estados Americanos e a Comunidade das Caraíbas, solicitando “atenção urgente” ao que classifica como “agressão armada” de um Estado vizinho durante um processo eleitoral.
O governo venezuelano, por seu lado, reafirma que o Essequibo faz parte do seu território histórico e acusa a Guiana de “provocações” para justificar a presença militar de parceiros externos. Enquanto isso, os eleitores guianeses aguardam os resultados que definirão não só a liderança nacional, mas também a estratégia diplomática contra um vizinho que reivindica uma fatia significativa do território e do potencial petrolífero do país.