Startup brasileira patenteia método que produz proteína de micélio em 24 horas
A foodtech brasileira Typcal obteve a patente de um processo de fermentação de micélio capaz de gerar proteína em apenas 24 horas, tempo considerado o mais curto do setor. O micélio é a rede de filamentos responsável pela nutrição de fungos como cogumelos, trufas e leveduras. A conquista consolida a empresa, fundada em 2021 em São Paulo, no grupo de protagonistas globais das chamadas proteínas alternativas mush-based, produzidas a partir de organismos do Reino Fungi.
Tecnologia e origens
O método patenteado foi desenvolvido pelo cofundador e CEO Paulo Ibri, bacharel em marketing pela ESPM, e pelo CTO Eduardo Sydney, engenheiro com doutorado em biotecnologia. Ibri iniciou a trajetória empreendedora em 2019 com a 100 Foods, dedicada a produtos plant-based, mas pivotou o negócio após constatar o uso de longas listas de aditivos na categoria. A mudança de rota levou à criação da Typcal, que agora opera com micélio cultivado em biorreatores verticais em ambiente controlado, 24 horas por dia e sete dias por semana.
Produtividade e sustentabilidade
Estudo do Laboratório de Sistemas de Produção Sustentáveis da Universidade Tecnológica Federal do Paraná estima que a técnica da Typcal pode gerar até 7 000 vezes mais proteína por metro quadrado do que a soja. Além disso, a comparação com sistemas pecuários e agrícolas tradicionais indica menor consumo de recursos e emissões. Frente à proteína bovina, a produção de micélio reduz o uso de água em 99,8% e a emissão de carbono em 98%. Em relação ao frango, as quedas são de 99,5% e 88%, respectivamente. Já diante da soja, o processo demanda 96% menos água e libera 45% menos CO₂.
A empresa também adota práticas de economia circular. Desde 2023, em parceria com a Ambev, utiliza cerca de 300 toneladas mensais de levedura residual da fabricação de cerveja como substrato para os fungos, evitando o descarte desse volume no lixo e transformando o resíduo em ingrediente de alto valor agregado.
Valor nutricional e aplicações
As proteínas mush-based reúnem fibras, vitaminas, minerais e os nove aminoácidos essenciais. Segundo a Typcal, seu micélio não apresenta odor, sabor ou cor, característica que facilita a incorporação em diversos alimentos sem alterar aspectos sensoriais. Sob a marca Neutra Pro, prevista para chegar às indústrias no início de 2026, a proteína será oferecida nas formas em pó e fresca. O portfólio inclui desde cereais matinais, snacks e massas até hambúrgueres e filés vegetais. A equipe de pesquisa já trabalha em uma versão concentrada para substituir o whey protein, derivado do soro de leite.
Estrutura e expansão
A Typcal levantou R$ 10 milhões com investidores anjo, entre eles o ex-técnico da seleção masculina de vôlei Bernardinho. Os recursos financiam a ampliação da fábrica em Curitiba, orçada em R$ 5 milhões e programada para ser concluída até dezembro. A unidade terá capacidade inicial de cinco toneladas de proteína por mês. O plano financeiro prevê faturamento de R$ 5 milhões no primeiro ano de operação industrial e multiplicação por dez no ano seguinte.

Imagem: Typcal via neofeed.com.br
Depois de participar de programas de aceleração na Suíça e na Bélgica entre 2023 e 2024, a startup projeta a entrada no mercado europeu. A estratégia comercial inclui o posicionamento da Neutra Pro com preço equivalente ao da proteína de ervilha. A expectativa é igualar o valor da proteína animal em dois anos e, em uma década, tornar-se mais barata do que a soja.
Contexto de mercado
O avanço das alternativas mush-based ocorre em meio a preocupações com o crescimento populacional, a crise climática e a limitação das terras produtivas — cerca de 80% da área agrícola mundial já está em uso, grande parte sujeita a degradação. Ao oferecer alta produtividade com reduzido impacto ambiental, as micoproteínas aparecem como solução para ampliar a oferta de alimentos sem a expansão de fronteiras agropecuárias.
No Brasil, a acessibilidade econômica é vista como fator decisivo para o sucesso da categoria. Apesar da recente saída do país do Mapa da Fome, 64 milhões de brasileiros continuam sem acesso regular a alimentos de qualidade. A redução de custos de produção, viabilizada pela fermentação de 24 horas e pela adoção de insumos residuais, é apontada pela Typcal como caminho para levar o produto a camadas mais amplas da população.
O reconhecimento internacional já começou: em 2025, a Typcal figura pelo segundo ano consecutivo na FoodTech 500, índice que lista as startups de maior impacto nos sistemas agroalimentares. A combinação de patente, escala rápida, apelo ambiental e foco em preço coloca a empresa entre os destaques do ecossistema global de proteínas alternativas.