Som de drones provoca trauma em militares e civis na Ucrânia

Som de drones provoca trauma em militares e civis na Ucrânia

 

No conflito em curso na Ucrânia, o uso de drones de visão em primeira pessoa (FPV) transformou o som do motor elétrico em um fator permanente de terror psicológico. Soldados que regressam do front e civis em áreas próximas às linhas de combate relatam crises de ansiedade, pânico e reações físicas súbitas sempre que escutam ruídos semelhantes ao zumbido das hélices.

Droneofobia em expansão

Segundo o psiquiatra-chefe do hospital militar de Kyiv, Dr. Serhii Andriichenko, a maioria dos pacientes que não apresenta ferimentos físicos chega com quadros de estresse agudo ligados à exposição contínua aos drones. O especialista batizou o fenômeno de “droneofobia”. Entre os desencadeadores estão barulhos urbanos comuns — de scooters, cortadores de grama e aparelhos de ar condicionado — capazes de remeter imediatamente ao perigo vivido nas trincheiras.

Esse tipo de trauma reaparece na rotina de Pavlo, 30 anos, operador de drones que passou mais de um ano nas posições avançadas. Em casa, em Kyiv, ele evita áreas ao ar livre porque o zumbido de abelhas e moscas é suficiente para reativar a sensação de estar sendo caçado. O comportamento também atinge Savur, militar que perdeu um braço em um ataque de FPV: ao ouvir o motor de um ciclomotor, a primeira reação é procurar abrigo.

A evolução do campo de batalha

Na fase inicial da guerra, artilharia pesada e tanques dominavam as operações. Com o tempo, os FPVs ganharam espaço por custarem menos e permitirem ataques cirúrgicos. As pequenas aeronaves transportam explosivos, perseguem veículos blindados, infiltram-se em linhas inimigas e podem pairar até encontrar alvos isolados. O alcance de até 40 km faz com que localidades antes consideradas de retaguarda sejam atingidas sem aviso.

Para os combatentes, o som contínuo impõe um estado de tensão que não se dissipa com a troca de turno ou o retorno para casa. Muitos dormem sob densas copas de árvores por se sentirem mais protegidos, enquanto evitam abrir janelas ou ligar eletrodomésticos que produzam ruído constante.

Exposição além da linha de frente

O impacto psicológico extrapola o terreno militar. A Rússia passou a usar drones FPV para lançar munições sobre áreas civis. Em Kherson, cidade do sul dentro do raio operacional dos aparelhos, a administração regional registra pelo menos 84 civis mortos por ataques de drones apenas em 2023. Relatos indicam que ônibus, pontos de parada e ruas movimentadas tornaram-se alvos frequentes.

Dmytro Olifirenko, 23 anos, guarda de fronteira, foi ferido em setembro enquanto aguardava um coletivo. Imagens feitas por transeuntes mostram o dispositivo sobrevoando o local antes de soltar o explosivo. Já recuperado, ele afirma escutar o ruído dos drones “o tempo todo”, mesmo quando se desloca para cidades vizinhas como Mykolaiv, evidenciando o alcance psicológico do problema.

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Imagem: bbc.com

Ferimentos visíveis e invisíveis

Além do trauma sonoro, os drones causam mutilações graves. O comandante de unidade Nazar Bokhii perdeu as duas mãos e o olho esquerdo depois de ser surpreendido por um FPV a cinco quilômetros da linha de contato. O dispositivo, operado remotamente, detonou segundos após ser avistado. Bokhii relata temer barulhos de motocicletas e cortadores de grama, embora considere seus sintomas menos intensos do que os de colegas que permanecem em alerta permanente.

Segundo o ex-comandante, sua própria equipe explorava o efeito psicológico do zumbido para desestabilizar soldados russos. Ao manter a aeronave sobre uma trincheira, os operadores pressionavam o inimigo a abandonar abrigos seguros, facilitando ataques subsequentes. O método confirma a avaliação de especialistas de que o som é, por si só, uma arma de guerra.

Reação automática

O Dr. Andriichenko descreve casos de militares que, em casa, apagam luzes, afastam-se de janelas ou se escondem sob móveis após escutar aparelhos domésticos. Muitos não percebem a relação entre o gesto e o ruído; familiares precisam informar que um exaustor ou ventilador acabara de ser ligado. Para os profissionais de saúde, tratar a droneofobia exige terapia focada em dessensibilização a sons e, em alguns casos, medicação para controle de ansiedade.

Desafio duradouro

Com milhares de combatentes retornando das frentes leste e sul, o sistema de saúde militar da Ucrânia enfrenta demanda crescente por atendimento psicológico. Paralelamente, civis em regiões como Kherson convivem com alertas constantes e com a possibilidade de ataques a qualquer momento, o que eleva o nível geral de estresse.

Para Pavlo, a transição para a vida civil permanece incompleta. Ele afirma enxergar o mundo como um possível campo de batalha, pronto para se transformar em questão de segundos. Enquanto a guerra mantiver os drones como protagonistas, o som característico dessas aeronaves continuará a assombrar quem vive ou lutou sob seu alcance.

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