Nagasaki realizou neste sábado, 9 de agosto de 2025, a cerimônia que marca oito décadas do ataque nuclear que devastou a cidade às 11h02 de 1945. O evento, realizado no Parque da Paz, ganhou forte carga simbólica com o primeiro toque, desde a explosão, do sino da catedral da Imaculada Conceição, reconstruído em 1959 e recentemente restaurado por iniciativa de católicos norte-americanos.
O prefeito Shiro Suzuki abriu a solenidade pedindo à comunidade internacional que interrompa os atuais conflitos armados e ressaltou o risco de um novo confronto nuclear. Representantes de mais de 100 países estiveram presentes, entre eles Rússia e Israel, que não haviam participado nos anos recentes. Sobreviventes do bombardeio acompanharam o minuto de silêncio no horário exato da detonação, quando o som do sino ecoou pela cidade.
Projeto de restauração
A recuperação do sino foi idealizada pelo professor de sociologia James Nolan, que arrecadou US$ 25 mil nos Estados Unidos para custear a obra. Para o padre Kenichi Yamamura, responsável pela catedral, o retorno do instrumento simboliza a capacidade humana de reconstrução e reconciliação. Moradores, como Akio Watanabe, identificaram no toque simultâneo dos dois sinos do templo um sinal de aproximação entre norte-americanos, católicos e a população local.
Antecedentes do ataque
Três dias antes, em 6 de agosto de 1945, Hiroshima havia sido atingida pela bomba de urânio “Little Boy”. Nas horas seguintes, autoridades japonesas acreditavam que se tratara de um bombardeio convencional de pequena escala, pois poucos aviões haviam sido detectados pelos radares. Somente durante a madrugada de 6 para 7 de agosto o comando em Tóquio compreendeu a magnitude da destruição.
A liderança militar japonesa tentou subestimar o impacto da nova arma. Em 13 de agosto, o ministro da Guerra chegou a afirmar que a bomba atômica não era mais devastadora que os ataques com napalm já sofridos por diversas cidades. Paralelamente, o governo buscava negociar uma rendição via União Soviética, preservando o status do imperador, condição não aceita pelo presidente norte-americano Harry Truman, que exigia capitulação incondicional.
Missão “Bock’s Car”
Na manhã de 9 de agosto, a ofensiva soviética contra a Manchúria agravou o cenário para o Japão. Enquanto o gabinete se reunia em Tóquio, três bombardeiros B-29 decolaram das Ilhas Marianas. O “Bock’s Car”, comandado por Charles W. Sweeney, carregava a bomba de plutônio “Fatman”, 40% mais potente que “Little Boy”. Inicialmente, o alvo era Kokura, mas a visibilidade limitada pelo nevoeiro e pela fumaça de ataques prévios levou a tripulação a redirecionar-se a Nagasaki, apesar do combustível escasso.
O dispositivo já estava armado a bordo, pois o sistema de detonação era mais complexo. A operação foi preparada às pressas para criar a impressão de que os Estados Unidos possuíam grande estoque de bombas e para aproveitar o último dia de boas condições meteorológicas antes da chegada de tempestades. Na prática, “Fatman” era a última das três armas nucleares prontas no verão de 1945; uma quarta estava em produção.

Imagem: terra.com.br
Por causa da cobertura de nuvens, o lançamento ocorreu dois quilômetros além do objetivo original, sobre a área de Urakami, quase na vertical da catedral. A explosão a 580 metros do solo destruiu aproximadamente 40% da cidade, então com 240 mil habitantes, e matou de imediato entre 30 mil e 40 mil pessoas. Estimativas apontam 74 mil mortos até o fim de 1945 e quase 100 mil em cinco anos, em decorrência de ferimentos e contaminação radioativa.
Impacto sobre minorias
A comunidade cristã, a mais antiga do Japão, concentrou-se em Urakami e sofreu perdas severas nos primeiros segundos da detonação. Entre as vítimas também estavam os burakumin, minoria historicamente marginalizada por exercer ofícios ligados à morte e ao sangue, e cerca de 9 mil coreanos que viviam em Nagasaki. A condição de hibakusha — sobrevivente da bomba — intensificou a exclusão social desses grupos no pós-guerra.
Consequências humanas
O ataque deixou 2.300 crianças órfãs. Uma delas foi registrada em fotografia por Joe O’Donnell, sargento das forças de ocupação, em outubro de 1945. A imagem mostra um menino de aproximadamente dez anos, rígido em posição de sentido, carregando o irmão mais novo, já morto, às costas. A fotografia tornou-se símbolo da tragédia e acompanhou a visita do papa Francisco à cidade em 2019.
Oito décadas depois
O toque do sino restaurado encerrou a cerimônia deste sábado, lembrando os 74 mil mortos e os sobreviventes que continuam a lutar pela eliminação das armas nucleares. Ao ecoar sobre Nagasaki, o som reforçou a mensagem de paz emitida pela cidade que, 80 anos após o ataque, mantém vivo o apelo contra a repetição de uma catástrofe atômica.