Semaglutida reduz 57% o risco cardiovascular face à tirzepatida, aponta estudo de vida real
Um registo clínico apresentado no Congresso da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) 2025 indica que a semaglutida 2,4 mg, conhecida no mercado como Wegovy, foi mais eficaz do que a tirzepatida 15 mg (Mounjaro) na diminuição de eventos cardiovasculares graves.
Metodologia e principais conclusões
A análise, designada STEER, recorreu ao banco de dados norte-americano Komodo Research para comparar 10 625 doentes que iniciaram tratamento com semaglutida com igual número de utilizadores de tirzepatida a partir de maio de 2022. O acompanhamento médio foi de oito meses.
Entre os participantes que mantiveram a terapêutica, a semaglutida reduziu em 57 % o risco combinado de enfarte do miocárdio, acidente vascular cerebral ou morte cardiovascular face à tirzepatida. Quando incluídos também os doentes que suspenderam temporariamente o medicamento, a redução registada foi de 29 %. Adicionalmente, verificou-se uma descida de 20 % nos eventos cardiovasculares maiores (MACE) globalmente.
No desfecho “3-point MACE” – enfarte, AVC ou morte cardiovascular – a semaglutida mostrou desempenho superior. Já na análise “5-point MACE”, que acrescenta hospitalização por angina instável e revascularização, a tirzepatida apresentou ligeira vantagem em mortalidade por todas as causas.
Interpretação clínica e limitações
A endocrinologista Marília Fonseca, diretora médica da Novo Nordisk, considera que o tratamento da obesidade em doentes com patologia cardíaca deve ser encarado como estratégia prioritária de prevenção. Para a endocrinologista Paula Pires, os benefícios cardiovasculares da semaglutida vão além da perda de peso, envolvendo melhorias na pressão arterial, perfil lipídico e controlo glicémico.
João Salles, presidente eleito da Sociedade Brasileira de Diabetes, lembra que não existem ensaios clínicos que comparem diretamente semaglutida e tirzepatida em desfechos cardiovasculares. Segundo o especialista, os análogos de GLP-1, bem como moléculas duais que incluem ação sobre o GIP, apresentam de forma geral um perfil de segurança favorável e efeitos consistentes na redução de eventos cardíacos.
Salles sublinha, porém, que o STEER é um estudo observacional, dependente de registos eletrónicos, e com período de seguimento curto para patologias cardiovasculares. Essas características conferem menor robustez científica em comparação com ensaios randomizados, exigindo confirmação por investigações adicionais.

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Contexto terapêutico e implicações futuras
A semaglutida é autorizada em vários mercados, incluindo o Brasil, para o tratamento de diabetes tipo 2 e controlo de obesidade ou excesso de peso associado a comorbilidades. A tirzepatida, fármaco com ação dual sobre GIP e GLP-1, tem sido reconhecida pela capacidade de induzir maior redução ponderal, mas dispõe ainda de dados limitados quanto ao impacto em eventos cardiovasculares.
Os resultados agora divulgados sugerem que os benefícios cardíacos observados com a semaglutida podem ser específicos da molécula, não se estendendo automaticamente a outras terapias da mesma classe. Para os especialistas, novas pesquisas, idealmente ensaios clínicos randomizados de longa duração, serão essenciais para consolidar o entendimento sobre a proteção cardiovascular destas terapêuticas.
A farmacêutica Eli Lilly, responsável pela tirzepatida, foi contactada mas optou por não comentar um estudo que não conduziu. A Novo Nordisk, fabricante da semaglutida, reforça que a evidência acumulada ao longo dos últimos anos sustenta a utilização do fármaco para reduzir o risco cardiovascular em doentes com obesidade e doenças cardíacas.
Em síntese, o STEER acrescenta dados do mundo real que apontam para vantagem da semaglutida na prevenção de enfarte, AVC e morte cardiovascular, embora a curta duração do acompanhamento e a natureza observacional do estudo exijam prudência na interpretação e sublinhem a necessidade de ensaios clínicos comparativos.