Resgate em buraco viário reacende discussão sobre direitos de trabalhadores migrantes em Cingapura

Resgate em buraco viário reacende discussão sobre direitos de trabalhadores migrantes em Cingapura

Um incidente de trânsito ocorrido no último sábado, quando um automóvel Mazda preto caiu em uma cratera de aproximadamente 3 m de profundidade em uma avenida movimentada de Cingapura, trouxe novamente à tona a discussão sobre os direitos dos trabalhadores migrantes no país. Sete operários indianos que trabalhavam em um canteiro de obras próximo usaram uma corda para içar a motorista, que já havia deixado o veículo, e concluíram o resgate em menos de cinco minutos.

O grupo era chefiado pelo encarregado Suppiah Pitchai Udaiyappan, de 22 anos de experiência na cidade-Estado. Ele afirmou que, apesar do medo inicial, a prioridade era retirar a mulher do buraco. Imagens do salvamento circularam rapidamente nas redes sociais, transformando os trabalhadores em heróis para grande parte da população local.

A força de trabalho estrangeira

Os sete homens fazem parte dos 1,17 milhão de trabalhadores definidos oficialmente como “migrantes” em Cingapura. A maioria chega de países com menor renda, como Bangladesh, Índia e Mianmar, para atuar em setores rejeitados por singapurianos, entre eles construção civil, estaleiros e manufatura. Embora respondam por quase três quartos da mão de obra estrangeira do país, esses profissionais recebem salários baixos — organizações de defesa relatam remunerações em torno de S$300 (US$233) mensais — e vivem em dormitórios coletivos situados, em geral, afastados de áreas residenciais.

A falta de salário mínimo, queixa frequente de entidades trabalhistas, se soma a relatos de jornadas excessivas, atrasos ou não pagamento de vencimentos e condições precárias de moradia. Durante a pandemia de Covid-19, em 2020, os dormitórios se tornaram foco de surtos diários de infecção, revelando ao público situações que ativistas denunciavam havia décadas. O governo acabou por anunciar melhorias nos padrões habitacionais, mas defensores dos trabalhadores afirmam que avanços permanecem limitados.

Transporte em caminhões abertos

Outro ponto sensível voltou ao debate: o uso de caminhões de plataforma plana para deslocar operários. Embora a legislação proíba passageiros nas carrocerias, há exceção quando se trata de funcionários do proprietário do veículo, prática comum por representar alternativa mais barata às vans ou ônibus. Frequentemente, até 12 pessoas viajam sem cinto de segurança, cenário associado a sucessivos acidentes.

Em abril de 2021, dois estrangeiros morreram e mais de uma dezena ficou ferida após colisão entre dois desses veículos. Em 2024, ao menos quatro trabalhadores perderam a vida e mais de 400 se feriram em ocorrências semelhantes. Mesmo assim, o Executivo afirma que uma proibição total inviabilizaria pequenas empresas e causaria atrasos em obras públicas, como moradias sociais, escolas, hospitais e linhas de trem.

Coletivos de direitos humanos contra-argumentam que países que também dependem de mão de obra estrangeira, a exemplo de Emirados Árabes Unidos e Bahrein, já baniram o transporte de pessoas em caminhões. Ativistas sugerem que parte das taxas cobradas pela contratação de estrangeiros poderia subsidiar outros meios de locomoção sem repassar custos adicionais a empregadores e consumidores.

Resgate em buraco viário reacende discussão sobre direitos de trabalhadores migrantes em Cingapura - Imagem do artigo original

Imagem: bbc.com

Restrições à permanência

Além de condições de trabalho, a autorização de residência dos operários impede que criem raízes. Portadores de work permit, eles não se qualificam para residência permanente, independentemente do tempo de serviço, e precisam de consentimento governamental para se casar com cidadãos locais. Udaiyappan, que coordenou o salvamento da motorista presa no buraco, vive há mais de duas décadas em Cingapura sem possibilidade de mudar esse status.

Reconhecimento e críticas

Após o resgate, as autoridades premiaram os sete operários com moedas comemorativas. Um ministro de Estado descreveu o gesto como exemplo de contribuição dos migrantes à sociedade. Nas redes sociais, internautas questionaram o reconhecimento simbólico e sugeriram recompensas financeiras ou até a concessão de residência permanente aos envolvidos.

Enquanto isso, a organização Its Raining Raincoats arrecadou S$72 000 (US$55 840) em uma campanha própria, valor que será dividido igualmente entre os trabalhadores. Para AKM Mohsin, que dirige um centro de convivência para bengaleses, a população costuma enaltecer atos heroicos, mas ignora violações diárias no trabalho, no transporte e na moradia.

Integração limitada

Nos últimos anos, projetos públicos e de ONGs tentam aproximar migrantes e habitantes locais por meio de atividades culturais e esportivas. Ainda assim, defensores dos trabalhadores afirmam que grande parte da sociedade continua a enxergar esses profissionais como um grupo separado e inferior. Em 2008, por exemplo, 1 400 moradores do bairro de Serangoon Gardens assinaram petição contra a construção de um dormitório nas proximidades. Para atender às reclamações, o governo reduziu o tamanho da instalação e criou uma via exclusiva de acesso para os operários.

Especialistas observam que, embora episódios como o salvamento no buraco viário mostrem a relevância e o empenho dos trabalhadores migrantes, mudanças estruturais em salários, transporte e direitos de permanência avançam lentamente por falta de consenso político e econômico.

Posts Similares

Deixe uma resposta