Polícia Federal contesta criação de agência antimáfia proposta pelo Ministério da Justiça
A Polícia Federal (PF) enviou à Secretaria de Segurança Pública um documento em que rejeita a criação da Agência Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (ANEOC), proposta pelo Ministério da Justiça após uma operação conjunta que atingiu o Primeiro Comando da Capital (PCC) no setor de combustíveis. O texto, elaborado pela Divisão de Repressão às Drogas, sustenta que a nova estrutura acarretaria sobreposição de competências, fragilidades jurídicas e possível enfraquecimento do comando da corporação.
Polícia Federal aponta sobreposição de funções
No parecer, a PF assinala que as atribuições previstas para a ANEOC replicam responsabilidades já distribuídas entre a própria PF, o Ministério Público, as secretarias de segurança estaduais e outros órgãos de investigação. Segundo o documento, a criação de um segundo polo de coordenação poderia provocar duplicidade de esforços, diluição de recursos e conflitos de hierarquia.
Os delegados argumentam que o combate a grupos com características de máfia — lavagem de dinheiro, controlo territorial e infiltração em forças de segurança — já está contemplado na legislação e no âmbito de actuação da corporação. Para os autores do parecer, qualquer organismo adicional deve limitar-se a funções estratégicas ou consultivas, devendo estar explícito que não exercerá actividades operacionais nem investigativas.
Ministério da Justiça defende coordenação autónoma
O plano do Ministério da Justiça prevê uma agência ligada à pasta, com autonomia administrativa e mandatos fixos para os dirigentes, à semelhança de entidades reguladoras e do Banco de Portugal. A ANEOC teria poderes para integrar equipas de diferentes corpos policiais, facilitar infiltrações autorizadas em organizações criminosas e coordenar grandes operações nacionais.
A iniciativa conta com o apoio de sectores do Ministério Público que defendem uma estrutura supracorporativa para enfrentar facções de dimensão transnacional. Auxiliares do ministro Ricardo Lewandowski veem no modelo uma forma de fortalecer a articulação entre forças federais e estaduais, reduzir disputas internas e centralizar inteligência.
Critérios legais e caminho no Congresso
A Polícia Federal questiona também a intenção de instituir a agência por decreto. Para a corporação, a natureza jurídica, a composição do conselho director e o alcance dos poderes de investigação deveriam ser definidos em lei aprovada pelo Congresso, garantindo segurança jurídica e claridade de competências. O parecer sugere que, sem esse trâmite legislativo, o órgão pode sofrer contestação judicial logo à partida.
Delegados acrescentam que a discussão parlamentar permitiria identificar lacunas e evitar que a nova agência se sobreponha às delegacias especializadas existentes. Essa estratégia, na visão da PF, aumenta as hipóteses de alteração — ou mesmo rejeição — do texto original.

Imagem: Internet
Contexto operacional recente
A divergência ganhou destaque após a megaoperação que desarticulou um esquema do PCC envolvendo combustíveis e investidores da região da Faria Lima, em São Paulo. A acção conjunta da PF, Receita Federal, Ministério Público e polícias estaduais foi apontada pelo governo como exemplo de cooperação interinstitucional sem necessidade de um organismo adicional.
Com o sucesso da operação, o director-geral da PF, Andrei Rodrigues, reforçou a posição de que a corporação já dispõe de estrutura suficiente para gerir acções complexas contra o crime organizado. Nos bastidores, a demonstração de eficiência contribuiu para travar o avanço da proposta dentro do Executivo.
Próximos passos
O Ministério da Justiça mantém a intenção de criar a ANEOC, mas admite negociar ajustes para mitigar sobreposições e definir objectivos estratégicos. A pasta estuda enviar um novo projecto de lei ao Legislativo ainda este ano, formalizando competências e fontes de financiamento.
Enquanto não há consenso, a PF continuará a conduzir investigações contra facções criminosas nos moldes actuais, articulando-se com outros órgãos por meio de grupos de trabalho e centros de inteligência. A disputa em torno da ANEOC permanece, contudo, aberta e deverá ser decidida no Congresso, onde o projecto enfrentará avaliação política e técnica.