ONU alerta para possíveis consequências catastróficas caso Israel amplie ofensiva e reocupe toda Gaza
O subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Miroslav Jenča, advertiu nesta terça-feira que a expansão da operação militar israelense para a reocupação integral da Faixa de Gaza pode gerar “consequências catastróficas” para a população palestina e para os reféns ainda mantidos pelo Hamas. A declaração foi feita durante sessão do Conselho de Segurança, após veículos de imprensa israelenses noticiarem que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu pretende submeter à avaliação de seu gabinete de segurança, na quinta-feira, um plano de “conquista total” do território.
Segundo as reportagens, um alto funcionário israelense afirmou que “o dado está lançado” e que o objetivo é derrotar definitivamente o grupo islamista. A iniciativa, porém, divide autoridades em Tel Aviv. Líderes militares, incluindo o chefe do Estado-Maior das Forças de Defesa de Israel, teriam se posicionado contra a proposta. Em resposta, o mesmo funcionário não identificado declarou que, caso a discordância persista, o comandante “deveria renunciar”.
Durante a reunião na ONU, Jenča classificou a possibilidade de ocupação total como “profundamente alarmante” e reiterou que, pelo direito internacional, Gaza “é e deve permanecer parte integrante de um futuro Estado palestino”. Ele reforçou o apelo por um cessar-fogo imediato e pela libertação incondicional de todos os reféns.
Israel afirma controlar operacionalmente cerca de 75% da Faixa, mas a proposta em discussão prevê avançar sobre as áreas restantes, onde vivem mais de dois milhões de palestinos. O país também vem enfrentando pressão crescente da comunidade internacional diante do agravamento da crise humanitária no enclave.
Perguntado sobre a possível reocupação, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou que a decisão “caberá basicamente a Israel”. O comentário foi feito em meio à estagnação das negociações de trégua, interrompidas recentemente.
Do lado israelense, familiares dos sequestrados manifestaram temor de que a expansão das operações coloque em risco os 49 reféns ainda detidos em Gaza, dos quais 27 são considerados mortos pelas autoridades. O Hamas levou 251 pessoas para o território palestino em 7 de outubro de 2023, quando também matou cerca de 1.200 israelenses no ataque que desencadeou a guerra.
Jenča destacou que, desde o fim de maio, mais de 1.200 palestinos morreram em pontos de distribuição de alimentos ou durante a tentativa de obter suprimentos. Ele descreveu as condições no enclave como “vis” e “desumanas” e acusou Israel de impor severas restrições à entrada de ajuda humanitária. Para o representante da ONU, o volume autorizado é “grosseiramente insuficiente”.
Na semana passada, o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas informou que 154 pessoas, incluindo 89 crianças, faleceram por falta de alimentos desde outubro passado. Agências das Nações Unidas alertam para um processo de fome em massa provocada pelo homem e registraram, somente neste mês, ao menos 63 mortes relacionadas à desnutrição.
Israel nega que haja bloqueio à assistência e sustenta não existir fome na Faixa. O governo insiste que qualquer limitação se deve à necessidade de inspecionar carregamentos para impedir o fornecimento de armas ao Hamas.

Imagem: bbc.com
De acordo com dados do mesmo ministério, mais de 60 mil palestinos morreram em consequência da campanha militar israelense iniciada após o ataque de 7 de outubro. A ofensiva, caracterizada por bombardeios aéreos e incursões terrestres, tem provocado deslocamentos sucessivos da população civil e a destruição de infraestrutura essencial.
Analistas apontam que a discussão sobre a reocupação pode representar uma tática de pressão sobre o Hamas nas negociações de armistício ou uma tentativa de Netanyahu fortalecer o apoio dos partidos de extrema-direita que compõem sua coalizão. A decisão final, contudo, depende da aprovação do gabinete de segurança, composto por ministros civis e chefes das forças armadas.
No Conselho de Segurança, vários países reiteraram apelos para que corredores humanitários sejam mantidos abertos e para que todas as partes respeitem o direito internacional, inclusive a proteção de civis e a facilitação de ajuda. Jenča enfatizou que “a expansão do conflito agravará ainda mais o sofrimento humano” e poderá comprometer qualquer perspectiva de solução de dois Estados.
Enquanto isso, organizações humanitárias relatam dificuldades para entregar suprimentos básicos, como alimentos, água e medicamentos, devido a restrições de acesso, confrontos próximos às rotas de distribuição e ataques a comboios. Relatos de confrontos em áreas designadas como zonas de segurança agravam a preocupação com a proteção de civis.
Com o avanço da crise alimentar, relatórios indicam aumento de casos de desnutrição aguda entre crianças e gestantes. Estruturas médicas operam com estoques limitados de combustível e equipamentos, e as interrupções no fornecimento de energia comprometem serviços essenciais, inclusive sistemas de dessalinização.
Miroslav Jenča concluiu sua intervenção pedindo que Israel garanta “passagem desimpedida de ajuda suficiente” e reiterou que a prioridade deve ser salvar vidas e aliviar o sofrimento da população. Ele também reforçou o pedido de libertação imediata dos reféns, considerado passo fundamental para qualquer avanço em direção à cessação das hostilidades.