Missionária irlandesa e mais oito pessoas são sequestradas em orfanato nos arredores de Porto Príncipe
Nove pessoas foram sequestradas no domingo (7) em um orfanato localizado em Kenscoff, na periferia sul de Porto Príncipe, capital do Haiti. Entre os levados estão a diretora da instituição, a missionária irlandesa Gena Heraty, e uma criança de três anos. As informações foram confirmadas pelo prefeito da localidade, Massillon Jean, que descreveu a ação como “planejada” e sem troca de tiros.
Invasão ao orfanato
De acordo com o prefeito, o grupo armado invadiu o orfanato Sainte-Hélène por volta das 15h30 no horário local (07h30 GMT). Os agressores abriram um buraco no muro externo do terreno para acessar o prédio onde Heraty se encontrava. Sete funcionários da entidade, que acolhe mais de 240 crianças — parte delas com deficiência — foram levados junto com a missionária e o menino de três anos.
Fontes locais indicam que integrantes de quadrilhas que atuam na região são suspeitos pelo ataque. O jornal haitiano Le Nouvelliste relatou que a ação teria sido organizada por membros de gangues que se expandem sobre Kenscoff desde o início de 2025. Até agora, não houve pedido de resgate nem apresentação de exigências pelos sequestradores.
Resposta do governo irlandês
O ministro das Relações Exteriores da Irlanda, Simon Harris, divulgou comunicado afirmando que esforços “intensos e contínuos” estão em andamento para garantir a libertação de Heraty, dos funcionários e da criança. Segundo o chanceler, a pasta mantém contato direto com a família da missionária, com autoridades haitianas e com a organização responsável pelo orfanato, Our Little Brothers and Sisters.
Heraty, nascida em Liscarney, no Condado de Mayo, vive no Haiti desde 1993 e já foi reconhecida por diversas premiações humanitárias, entre elas o Oireachtas Human Dignity Award. Em entrevistas anteriores, ela afirmou que pretendia permanecer no país apesar do avanço da violência. “As crianças são a razão de eu continuar aqui. Estamos juntos nisso”, disse ao Irish Times em 2022.
Violência crescente em Kenscoff e na capital
A comuna de Kenscoff figura entre as áreas mais afetadas pelo avanço das facções, que controlam grande parte de Porto Príncipe e de extensões do interior haitiano. Tentativas repetidas da Polícia Nacional do Haiti, apoiada por colegas quenianos e por contratados estrangeiros que utilizam drones armados, não conseguiram desalojar os grupos de suas bases.
A violência se repete em outras zonas da capital, onde as Nações Unidas estimam que cerca de 85% do território urbano esteja sob domínio de grupos armados. Roubos, confrontos e sequestros se tornaram rotina, atingindo trabalhadores humanitários, funcionários públicos e residentes locais.
Sequestros e mortes em números
Dados do Escritório de Direitos Humanos da ONU apontam que, apenas no primeiro semestre de 2025, quase 350 pessoas foram sequestradas no Haiti. No mesmo período, ao menos 3.141 indivíduos foram mortos em episódios de violência associados às gangues.

Imagem: bbc.com
Casos envolvendo organizações internacionais também se multiplicam. Em 7 de julho, seis funcionários do Unicef foram capturados durante missão autorizada em área controlada por facções na capital; um foi libertado no dia seguinte, mas cinco permaneceram em cativeiro por três semanas.
Crise humanitária
O alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, alertou que o aumento da violência ameaça desestabilizar ainda mais o país. Até junho, o número de deslocados internos havia atingido 1,3 milhão de pessoas – três vezes o registrado em 2024. Muitas famílias vivem em abrigos improvisados, enfrentando riscos de saúde e falta de proteção.
Organizações humanitárias relatam dificuldade crescente para operar em Porto Príncipe e áreas vizinhas, dada a necessidade de negociar passagem segura com diferentes grupos armados. A insegurança afeta também o acesso a alimentos, serviços médicos e educação, agravando uma crise já considerada severa pelos organismos internacionais.
Próximos passos
As autoridades haitianas não divulgaram detalhes sobre eventuais operações de resgate. O governo irlandês afirmou que continuará a acompanhar o caso “hora a hora” e reiterou a disposição de cooperar com todas as instâncias envolvidas.
Enquanto isso, mais de 240 crianças permanecem no orfanato Sainte-Hélène, sob supervisão de profissionais que não foram sequestrados. A instituição busca apoio logístico e financeiro para reforçar a segurança e garantir a continuidade dos cuidados oferecidos aos menores.
O sequestro da missionária irlandesa e de seus colegas amplia a série de raptos no Haiti e evidencia a capacidade crescente das facções armadas de atuar mesmo em regiões tradicionalmente menos visadas, como Kenscoff. Observadores internacionais avaliam que a situação exige respostas coordenadas para proteger civis e trabalhadores humanitários em todo o país.