Depois de registrar forte crescimento na década que se seguiu à crise financeira de 2008, o setor de bourbon produzido no Kentucky vive um período de desaceleração. Dados da consultoria IWSR indicam que as vendas mundiais avançaram 7% entre 2011 e 2020, mas o ritmo caiu para 2% de 2021 a 2024. O enfraquecimento da economia após a pandemia, novas políticas tarifárias e mudanças no comportamento de consumo explicam a virada.
O destilado, classificado pelo Congresso dos Estados Unidos em 1964 como “produto distintivo do país”, ganhou impulso no início da década passada por uma combinação de fatores. Preço competitivo, facilidade para compra e revenda de garrafas antigas a partir de uma lei estadual em 2013 e o renascimento cultural de referências dos anos 1950 e 1960 popularizaram o produto entre consumidores mais jovens e bartenders. O crescimento sustentado estimulou a abertura de pequenas destilarias e atraiu investidores interessados em tratar o bourbon como ativo de colecionador.
Esse quadro começou a se reverter com o fechamento de bares durante a Covid-19, que derrubou vendas em pontos de consumo fora do lar. Na sequência, a inflação encareceu custos de produção e reduziu o poder de compra do público, levando parte dos consumidores a migrar para bebidas mais baratas ou a reduzir o consumo de álcool. Pesquisas de mercado mostram que integrantes da Geração Z bebem com menor frequência do que grupos etários anteriores, tendência que pressiona ainda mais as destilarias.
A política comercial dos Estados Unidos acrescentou uma camada de incertezas. Tarifas anunciadas na gestão Trump levaram a União Europeia a planejar medidas de retaliação que incluem bourbon do Kentucky e vinhos da Califórnia; a aplicação está suspensa por seis meses, mas segue no horizonte. No Canadá, províncias decidiram interromper temporariamente a importação de bebidas americanas, retirando produtos das prateleiras. O mercado canadense responde por aproximadamente 10% de um setor avaliado em US$ 9 bilhões.
A reação protecionista atinge diretamente 86 destilarias instaladas no Kentucky e mais de 10 milhões de barris em processo de maturação, segundo a associação estadual de fabricantes. Grandes conglomerados, graças ao alcance global de suas marcas, absorvem melhor o impacto, mas os efeitos têm sido visíveis. A Diageo registrou queda de 7,3% nas vendas de Bulleit no último exercício fiscal. A italiana Campari, dona de Wild Turkey, apontou recuo de 8,1% nos seis meses mais recentes.
Companhias menores enfrentam condições ainda mais adversas. Em julho, a holding LMD entrou com pedido de recuperação judicial apenas um mês depois de inaugurar a destilaria Luca Mariano, em Danville. Na primavera norte-americana, a Garrard County Distilling passou a operar sob regime de administração judicial. Em janeiro, a Brown-Forman, proprietária de Jack Daniel’s, Woodford Reserve e Old Forester, encerrou a atividade de uma fábrica de barris no estado.

Imagem: bbc.com
Analistas veem espaço para novos episódios de consolidação ou insolvência. Como o bourbon deve envelhecer em barris de carvalho por vários anos, o volume disponível hoje deriva de projeções elaboradas antes da desaceleração. O excesso de oferta força a redução dos preços e pressiona as margens. Especialistas avaliam que a situação lembra movimentos ocorridos no mercado de uísque escocês na segunda metade do século XX, quando a queda da demanda levou produtores a envelhecer seus estoques por prazos mais longos, criando posteriormente o segmento premium.
Enquanto o mercado americano se ajusta, produtores de outros países buscam oportunidades. No Canadá, destilarias locais experimentam métodos típicos do bourbon — como uso predominante de milho e barris novos tostados — para oferecer rótulos com perfil de sabor semelhante. Ao mesmo tempo em que preenche a lacuna deixada pelas marcas dos EUA, essa estratégia diversifica o portfólio da indústria canadense.
O futuro imediato do bourbon dependerá de fatores externos e internos. A retomada ou suspensão definitiva das tarifas, o apetite da Geração Z por bebidas destiladas e a capacidade de pequenos fabricantes atravessarem o período de preços mais baixos compõem o quadro. Por ora, o setor trabalha para ajustar a produção ao novo ritmo de consumo, enquanto monitora possíveis mudanças na política comercial internacional.