Insuficiência tricúspide cresce em atenção médica, mas ainda carece de políticas públicas no Brasil
A insuficiência tricúspide, tema debatido nesta quinta-feira (7) no Congresso Internacional de Cardiologia da Rede D’Or, permanece sem diretrizes robustas de tratamento no sistema público brasileiro e segue subestimada mesmo dentro da comunidade médica. O quadro, que pode limitar atividades simples como caminhar, passou a receber maior atenção há cerca de oito anos, quando avanços diagnósticos e terapêuticos destacaram sua relevância clínica.
O problema acomete principalmente idosos e se enquadra nas cardiopatias estruturais. Ele ocorre quando a válvula tricúspide — localizada no lado direito do coração e responsável por regular a entrada do sangue proveniente das veias — não se fecha totalmente. Esse fechamento incompleto provoca refluxo sanguíneo e eleva a pressão nas cavidades cardíacas e nos vasos adjacentes.
Segundo Dimytri Siqueira, coordenador de intervenção em cardiopatias estruturais da Rede D’Or São Luiz São Paulo, a tricúspide funciona como a “comporta inicial” do coração. Quando aberta, permite a passagem do sangue que chega do corpo; ao se fechar, deveria impedir o retorno desse fluxo. Se a vedação falha, ocorre a insuficiência, gerando sobrecarga no sistema circulatório.
Os sintomas costumam surgir apenas em estágios avançados. Falta de ar, fadiga, edema de membros inferiores e distensão abdominal por aumento do fígado são manifestações frequentes. Sem intervenção adequada, o quadro pode evoluir para arritmias, internações recorrentes e incapacidade de realizar tarefas cotidianas.
Durante décadas, a enfermidade foi considerada secundária em comparação a disfunções das válvulas do lado esquerdo, como mitral e aórtica. Este cenário levou a tricúspide a ser informalmente apelidada de “válvula esquecida”. Atualmente, evidências apontam que ignorar sua disfunção aumenta a mortalidade e piora a qualidade de vida dos pacientes.
Estimativas europeias indicam que a forma grave da insuficiência tricúspide atinge entre 2% e 3% da população. No Brasil, a prevalência não é contabilizada, mas especialistas acreditam que seja maior. Um dos motivos é a associação com a febre reumática — complicação de infecções de garganta não tratadas na infância — mais presente em países em desenvolvimento. Muitos brasileiros operados na juventude por lesões valvares no lado esquerdo agora apresentam problemas no lado direito decorrentes desse histórico.

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O envelhecimento populacional reforça a preocupação. Alterações valvares degenerativas tendem a ocorrer com o avanço da idade, e não há forma de preveni-las. Não existem medicamentos capazes de evitar calcificação ou degeneração dos folhetos, nem estratégias clínicas que retardem o surgimento da insuficiência.
Opções terapêuticas evoluíram na última década, mas ainda não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde. O método mais utilizado mundialmente, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, aproxima os folhetos da tricúspide por cateter, reduzindo o refluxo e aliviando sintomas como cansaço e inchaço. Mesmo assim, a maior parte dos pacientes brasileiros depende de manejo clínico limitado ou de cirurgias convencionais de maior risco.
Para Siqueira, eventos científicos têm papel fundamental ao direcionar a atenção de médicos para o diagnóstico precoce e a avaliação criteriosa dos sintomas. A recomendação é que, diante de sinais de insuficiência, o profissional investigue a necessidade de tratamento intervencionista, considerando a progressão rápida que pode levar à perda de funcionalidade.
Sem perspectiva de prevenção farmacológica e com oferta restrita de terapias modernas, especialistas defendem a criação de políticas públicas específicas para a insuficiência tricúspide. A adoção de protocolos de rastreamento em consultas de rotina, a incorporação de tecnologias minimamente invasivas ao SUS e o monitoramento epidemiológico são apontados como passos essenciais para enfrentar o problema, que tende a crescer conforme a população brasileira envelhece.