Índia intensifica uso da ioga como instrumento de influência cultural global

Índia intensifica uso da ioga como instrumento de influência cultural global

A prática da ioga, com origens estimadas entre três e seis milénios, passou de exercício espiritual a componente central da diplomacia indiana. Sob a liderança do primeiro-ministro Narendra Modi, Nova Deli tem promovido a modalidade como símbolo de unidade e bem-estar, reforçando a sua presença no cenário internacional.

Reconhecimento internacional consolida estratégia

Em dezembro de 2014, a Organização das Nações Unidas declarou 21 de junho como Dia Internacional da Ioga, decisão atribuída ao empenho pessoal de Modi. Desde então, a data converteu-se em palco anual para a exibição do chamado soft power indiano. Na comemoração de 2023, o governante liderou uma sessão na sede da ONU, em Nova Iorque, repetindo o gesto este ano num encontro junto à praia de Visakhapatnam, no sul da Índia.

Segundo o diplomata Chaitanya Prasad, cada tapete estendido em qualquer parte do mundo estabelece uma ligação direta com o património cultural da Índia e fortalece a perceção de harmonia global. Para Prasad, esse efeito traduz-se em influência discreta, mas eficaz, que contrasta com instrumentos tradicionais de poder, como capacidade militar ou peso económico.

Aparato estatal alarga promoção da modalidade

O governo criou, em 2024, o Ministério de Ayush para supervisionar sistemas de conhecimento tradicionais, incluindo aiurveda, naturopatia e ioga. A nova pasta estabeleceu parcerias com instituições europeias e, em colaboração com a Organização Mundial da Saúde, lançou a aplicação Myoga, destinada a divulgar rotinas padronizadas em diversos idiomas.

Para o professor de direito internacional Venkatachala G. Hegde, da Universidade Jawaharlal Nehru, o investimento oficial procura preservar práticas ancestrais e, simultaneamente, projetar a Índia como fonte de saber holístico. Hegde sublinha que a abordagem evita controvérsias políticas e apela a públicos diversos, reforçando o mérito da diplomacia cultural.

O especialista em relações internacionais Ajay Darshan Behra, da universidade Jamia Millia Islamia, acrescenta que a ioga atua sobretudo ao nível interpessoal. Ao contrário de acordos governamentais, a interação entre praticantes cria afinidades que perduram e contribuem para a reputação externa do país.

Mercado global e críticas à comercialização

Estimativas da consultora Allied Market Research situam a indústria mundial da ioga acima de 35 mil milhões de euros anuais, valor alimentado por aulas, retiros, equipamentos e publicações. No Ocidente, porém, a prática é frequentemente reduzida a posturas físicas, associada a padrões corporais restritos e alvo de acusações de apropriação cultural.

Hegde nota que a popularidade ocidental tende a privilegiar segmentos de maior poder de compra, afastando comunidades marginalizadas. Já Behra alerta para o risco de a ioga perder carácter universal se for instrumentalizada por agendas políticas internas, como a promoção do orgulho hindu pelo partido Bharatiya Janata. Para o académico, tal associação esvaziaria a essência espiritual que sustenta a atração global da disciplina.

Entre tradição e diplomacia

Apesar das reservas, o consenso entre analistas aponta para a eficácia da ioga enquanto vetor de influência. Ao combinar benefícios de saúde, património histórico e projeção internacional, a Índia reforça uma imagem de nação detentora de conhecimento milenar e capaz de oferecer soluções pacíficas para desafios contemporâneos. Num contexto geopolítico competitivo, o tapete de ioga confirma-se como instrumento silencioso, mas estratégico, da política externa indiana.

Posts Similares

Deixe uma resposta