Uso de inteligência artificial para apoio emocional cresce entre adolescentes, aponta especialista

Uso de inteligência artificial para apoio emocional cresce entre adolescentes, aponta especialista

Ferramentas baseadas em inteligência artificial (IA) vêm ganhando espaço entre os jovens não apenas para estudos e entretenimento, mas também como suporte emocional. Dados do centro de pesquisas norte-americano Pew Research, citados pelo próprio ChatGPT, indicam que a adesão à IA entre adultos de 18 a 29 anos — faixa etária que abrange a chamada Geração Z — passou de 33% em 2023 para 43% em 2024 nos Estados Unidos. Embora o crescimento seja perceptível em vários aspectos da rotina digital, especialistas observam uma procura relevante da tecnologia para fins terapêuticos, sobretudo entre adolescentes.

Cenário de procura por conselhos pessoais

A psicóloga clínica Bruna Madureira, da Norte Saúde Mental, avalia que o aumento da busca por apoio emocional em softwares conversacionais revela impasses nas interações humanas. Segundo a profissional, quando um adolescente decide compartilhar dúvidas e sentimentos com um programa automatizado, o movimento aponta para lacunas de escuta dentro de casa, na escola ou em outros espaços de convivência.

A especialista explica que a cultura do desempenho influencia esse comportamento. Em ambientes marcados por alta competitividade, emocionalidade não relacionada a resultados costuma ser vista como sinal de fraqueza. Nesse contexto, emoções como tristeza, frustração ou insegurança tendem a ser reprimidas. Para evitar críticas ou rótulos, muitos jovens recorrem aos chamados “diários de terapia” virtuais, nos quais estruturam perguntas e comandos direcionados à IA em busca de acolhimento imediato, isento de julgamentos.

Vergonha, medo e falta de espaço seguro

A vergonha de demonstrar vulnerabilidade e o receio de punições sociais afetam a disposição do adolescente para o diálogo presencial. Tornar-se alvo de comentários depreciativos ou da exposição nas redes sociais são riscos que a IA, por não ter rosto nem memória social, aparentemente elimina. Além disso, a disponibilidade constante de assistentes virtuais permite interações a qualquer hora, vantagem valorizada por quem sente urgência em compartilhar angústias.

Bruna Madureira observa que a tendência não resulta exclusivamente de falhas familiares, mas de um modelo social mais amplo que exige produtividade contínua. A combinação de jornadas extensas de trabalho, alta do custo de vida e padrões estéticos rígidos sobrecarrega os pais e reduz o tempo dedicado à construção de vínculos afetivos sólidos. Esse ambiente restringe oportunidades para conversas espontâneas baseadas na escuta ativa, fazendo da tecnologia uma alternativa conveniente para quem busca ser ouvido.

Riscos e alertas

Embora chatbots possam oferecer respostas rápidas e linguagem acolhedora, não substituem o acompanhamento de profissionais habilitados nem a presença humana, destaca a psicóloga. A interpretação de emoções complexas, o reconhecimento de sinais de sofrimento intenso ou de pensamentos autolesivos, por exemplo, exige sensibilidade e preparo que a inteligência artificial ainda não detém plenamente. O uso indiscriminado dessas ferramentas, portanto, funciona como termômetro de dificuldades coletivas e sinaliza a necessidade de criar ambientes que estimulem a expressão emocional sem estigmas.

Estratégias sugeridas

Para reverter a preferencial dos jovens por interações digitais em questões sensíveis, Bruna Madureira sugere iniciativas que ampliem espaços de escuta qualificada. Entre elas, estão grupos de acolhimento em escolas, rodas de conversa em centros culturais e projetos em redes sociais conduzidos por profissionais capacitados. A ideia é disponibilizar locais onde adolescentes possam relatar experiências e sentimentos de modo seguro, sem se submeter a cobranças por desempenho.

No âmbito doméstico, a recomendação envolve reservar momentos diários sem dispositivos eletrônicos, validar emoções em vez de minimizá-las e manter diálogo aberto mesmo quando respostas definitivas não estão disponíveis. A presença genuína de pais ou cuidadores, ainda que imperfeita, contribui para que o adolescente sinta confiança ao compartilhar dúvidas e dificuldades.

O papel das organizações

Além da esfera familiar e escolar, empresas e instituições podem colaborar para um ecossistema mais saudável. Programas voltados à saúde mental de colaboradores, exemplificados pela atuação da Norte Saúde Mental, sinalizam a importância de ambientes laboralmente seguros para os adultos que interagem com crianças e adolescentes. A lógica é que adultos com suporte adequado tendem a dispender mais energia à vida afetiva e, consequentemente, ao diálogo dentro de casa.

Perspectivas

O avanço da inteligência artificial deve continuar ampliando possibilidades de interação. Entretanto, especialistas reforçam que a tecnologia precisa ser entendida como complemento e não como substituta das relações humanas. A expansão de serviços digitais direcionados à saúde mental, por si só, não resolve a demanda por acolhimento presencial. Transformar esse cenário requer revisão de práticas sociais que desvalorizam a vulnerabilidade, incentivo à comunicação empática e políticas de apoio capazes de envolver escola, família e comunidade.

Enquanto essas mudanças não se consolidam, o crescimento do uso de IA para aconselhamento emocional permanece como indicativo de que muitos jovens não encontram, nos círculos próximos, espaço seguro para expressar o que sentem. O fenômeno expõe desafios coletivos e convida à reflexão sobre a forma como adultos escutam — ou deixam de escutar — a geração que nasceu conectada, mas segue em busca de relações que validem sua experiência humana.

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