Família de irlandesa sequestrada em orfanato no Haiti relata “devastação” e teme pela segurança dos reféns
A família da irlandesa Gena Heraty, diretora de um orfanato em Kenscoff, no Haiti, afirmou estar “absolutamente devastada” com o sequestro ocorrido nas primeiras horas de domingo. A educadora, originária de Westport, condado de Mayo, foi levada juntamente com outras oito pessoas, entre elas uma criança de três anos, durante uma ação criminosa atribuída a grupos armados que atuam na região da capital, Porto Príncipe.
Segundo autoridades locais, os sequestradores invadiram o complexo administrado pela organização humanitária Nos Petits Frères et Sœurs (NPFS) por volta das 15h30, horário local (07h30 GMT). De acordo com o prefeito de Kenscoff, Massillon Jean, a ação foi planejada: os criminosos abriram brechas em um muro perimetral, alcançaram o edifício onde a diretora se encontrava e retiraram as vítimas sem disparar armas de fogo. Desde então, o paradeiro do grupo permanece desconhecido.
Intermediários haitianos estabeleceram comunicação telefônica com o bando responsável pelo sequestro, informou a emissora estatal irlandesa. Contudo, detalhes sobre exigências ou condições impostas pelos criminosos não foram divulgados. Em comunicado, parentes de Gena Heraty pediram discrição, alegando que qualquer informação adicional poderia comprometer as negociações em andamento.
A região de Kenscoff, situada a cerca de 10 quilômetros ao sudeste de Porto Príncipe, enfrenta escalada de violência há meses. Relatórios das Nações Unidas indicam que, apenas na primeira metade de 2025, quase 350 pessoas foram sequestradas no país, enquanto 3.141 homicídios foram registrados. Estima-se que gangues controlem aproximadamente 85% da área metropolitana, o que dificulta a atuação das forças de segurança e aumenta a vulnerabilidade de instituições como escolas, hospitais e abrigos infantis.
Em Dublin, o vice-primeiro-ministro e ministro das Relações Exteriores da Irlanda, Simon Harris, entrou em contato com a alta representante da União Europeia para Assuntos Externos, Kaja Kallas, solicitando suporte diplomático. A UE concordou em nomear um ponto de contato específico em Porto Príncipe para acompanhar o caso e cooperar com as autoridades irlandesas. Harris também conversou por telefone com o ministro das Relações Exteriores do Haiti, Harvel Jean-Baptiste, pedindo “todos os esforços possíveis” para garantir a libertação segura dos reféns.
Gena Heraty atua no Haiti há quase três décadas, período em que desenvolveu programas voltados principalmente a crianças com deficiência. No orfanato administrado pela NPFS vivem mais de 250 menores. Colegas descrevem a irlandesa como figura central nos cuidados prestados aos residentes, ressaltando a atenção dada a pessoas com necessidades especiais em um país onde a infraestrutura de assistência social é limitada.

Imagem: bbc.com
O sequestro reforça a preocupação de organizações humanitárias que operam no Haiti. Muitas delas relatam aumento de ataques a suas instalações, o que já resultou em suspensão temporária de projetos e retirada de voluntários estrangeiros de áreas consideradas críticas. No caso de Kenscoff, moradores relatam incursões de grupos armados há pelo menos seis meses, envolvendo saques, intimidações e bloqueios de estradas.
No condado de Mayo, na Irlanda, comunidades locais organizaram vigílias em igrejas e praças para manifestar solidariedade à família Heraty. Líderes religiosos e membros de entidades de ajuda internacional participaram dos encontros, pedindo resolução rápida e pacífica do episódio. Segundo amigos próximos, os parentes de Gena acompanham as negociações de forma reservada e mantêm contato constante com a NPFS e o governo irlandês.
Até o momento, não há indícios de que as vítimas tenham sido transferidas para fora da região de Porto Príncipe, mas autoridades não descartam a possibilidade. Especialistas em segurança observam que gangues frequentemente deslocam reféns entre diferentes bairros para dificultar operações de resgate e aumentar poder de barganha. O Haiti não possui, atualmente, uma força de segurança interna capaz de cobrir todo o território, e a missão multinacional de apoio liderada pelo Quênia, anunciada em 2024, ainda não se encontra totalmente operacional.
Enquanto as negociações prosseguem, o governo irlandês mantém alerta consular para o Haiti, recomendando que cidadãos evitem viagens não essenciais. Organizações internacionais e agências de ajuda acompanham o caso, classificando-o como mais um sinal da deterioração das condições de segurança no país caribenho, que enfrenta crise política prolongada e profunda instabilidade socioeconômica.