Detector compacto identifica neutrinos em usina suíça e inaugura nova etapa na física de partículas

Detector compacto identifica neutrinos em usina suíça e inaugura nova etapa na física de partículas

Um artigo publicado nesta quarta-feira (30) na revista Nature descreve a primeira detecção de antineutrinos por meio de um dispositivo de apenas três quilos, instalado a poucas dezenas de metros de um reator nuclear na Suíça. O resultado demonstra que partículas consideradas praticamente intangíveis podem ser registradas sem a necessidade dos volumosos tanques de água ou blocos de gelo tradicionalmente usados em laboratórios subterrâneos.

Quem participou e onde ocorreu

A colaboração internacional batizada de CONUS+ posicionou seu sensor no complexo da usina de Leibstadt, a 20,7 metros do núcleo do reator. O projeto reúne físicos do Instituto Max Planck de Física Nuclear, na Alemanha, e de outras instituições europeias. Durante 119 dias de medição contínua, o equipamento detectou 395 interações de antineutrinos, contagem compatível com as previsões teóricas para aquela distância e potência do reator.

O que são neutrinos e por que são difíceis de observar

Neutrinos, às vezes chamados de “partículas fantasmas”, têm massa diminuta, não possuem carga elétrica e interagem de forma extremamente fraca com a matéria. Todos os segundos, cerca de 60 bilhões dessas partículas emitidas pelo Sol atravessam cada centímetro quadrado da superfície terrestre, inclusive nossos corpos, praticamente sem deixar marcas observáveis. Esse caráter elusivo obriga a construção de detectores gigantescos, como o IceCube, na Antártida, ou o Hyper-Kamiokande, em escavações no Japão. Essas instalações apostam em neutrinos muito energéticos, capazes de gerar breves clarões ao colidir com moléculas de água ou gelo.

A técnica empregada no CONUS+

O experimento suíço recorreu a um mecanismo distinto, denominado espalhamento elástico coerente neutrino-núcleo (CEvNS, na sigla em inglês). Nesse processo, a partícula atinge o núcleo completo de um átomo e provoca um recuo minúsculo, mas detectável com sensores de alta precisão. Embora previsto teoricamente desde os anos 1970, o CEvNS só começou a ser observado em 2017, porque exige ruído de fundo muito baixo e eletrônica sensível.

No CONUS+, o detector é composto por cristais de germânio ultrapuro refrigerados criogênicamente. Cada núcleo atômico que sofre o impacto de um antineutrino transfere uma quantidade de energia suficiente para gerar pulsos elétricos minúsculos, identificados pelo sistema de leitura. Como a seção de choque do CEvNS aumenta quando os neutrinos têm energia relativamente baixa, os antineutrinos emitidos em reatores nucleares tornam-se alvos ideais para esse tipo de análise.

Resultados e validação

Os 395 eventos registrados em 119 dias apresentaram incertezas compatíveis com expectativas estatísticas e corresponderam aos cálculos de fluxo de antineutrinos do reator de Leibstadt. Segundo os autores, a concordância reforça a confiabilidade do sensor na medição desse tipo de interação subatômica.

Detector compacto identifica neutrinos em usina suíça e inaugura nova etapa na física de partículas - Imagem do artigo original

Imagem: Kakteen Shutterstock via olhardigital.com.br

Vantagens do novo método

O principal ganho é a redução drástica de escala e custo. O conjunto de três quilos de germânio pode ser deslocado, instalado próximo a diferentes fontes de neutrinos e operado sem as estruturas de contenção, escavações profundas ou restrições logísticas das grandes experiências. Essa portabilidade abre a possibilidade de:

  • Monitorar em tempo real o combustível de reatores nucleares, auxiliando programas de não proliferação;
  • Investigar propriedades fundamentais dos neutrinos, como massa efetiva e possíveis interações fora do Modelo Padrão;
  • Estudar fenômenos astrofísicos, incluindo explosões de supernovas e emissões de objetos compactos, com redes de detectores distribuídas;
  • Complementar os dados de instalações de grande porte, oferecendo medições em faixas de energia ainda pouco exploradas.

Implicações para a física de partículas

A demonstração prática de um detector compacto funcionando por CEvNS fornece uma ferramenta adicional para testar extensões do Modelo Padrão. Qualquer desvio na taxa de eventos ou na distribuição de energias pode indicar partículas ou forças ainda não descritas. Além disso, estudos mais precisos do espalhamento coerente podem contribuir para a determinação do chamado ângulo de Weinberg em baixas energias, parâmetro central da teoria eletrofraca.

Próximos passos da pesquisa

A equipe planeja aprimorar a blindagem contra radiação de fundo e aumentar a massa total de cristais, o que elevaria a estatística de eventos sem comprometer a compacidade do sistema. Paralelamente, outros grupos preparam versões portáteis semelhantes para serem instaladas em centrais nucleares de diferentes potências ou em locais de interesse astrofísico. A expectativa é que, ao combinar várias unidades, seja possível mapear fluxos de neutrinos em escalas nunca antes alcançadas.

Com a confirmação experimental divulgada na Nature, o CONUS+ indica uma rota acessível para investigar partículas quase invisíveis que permeiam o Universo. Ao dispensar instalações gigantes, a iniciativa torna a pesquisa de neutrinos mais versátil, oferecendo novas ferramentas tanto para a física fundamental quanto para aplicações ligadas à segurança e à observação do cosmos.

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