Como o corpo reconstrói a pele após uma lesão: etapas e fatores que influenciam a cicatrização
Qualquer corte, arranhão ou ferimento mais profundo dispara no organismo uma resposta automática que visa restaurar a integridade da pele. Esse conjunto de reações, conhecido como cicatrização, envolve múltiplas células, mediadores químicos e proteínas estruturais que trabalham em sequência para fechar a lesão e impedir a entrada de agentes externos.
Na prática clínica, considera-se ferida toda ruptura da continuidade da pele, podendo atingir somente a epiderme ou avançar para derme, músculos, vasos sanguíneos e ossos. A profundidade e a extensão do dano determinam a duração e a complexidade do reparo. Ainda que o mecanismo geral seja semelhante em qualquer pessoa, idade, nutrição, doenças crônicas e fatores genéticos podem alterar o tempo necessário para a recuperação completa.
Quatro fases sucessivas
O processo de cicatrização costuma ser descrito em quatro etapas interdependentes. Cada fase precisa acontecer de forma ordenada para que a pele recupere firmeza e função de barreira.
1. Hemostasia
Imediatamente após a lesão, vasos próximos se contraem para reduzir o fluxo de sangue. Paralelamente, plaquetas se aderem às bordas do ferimento e formam um tampão conhecido como coágulo, rico em fibrina. Essa malha estanca o sangramento, cria uma barreira física contra micro-organismos e gera a base sobre a qual as próximas células irão atuar.
2. Inflamação
Entre 24 e 72 horas depois, leucócitos — principalmente neutrófilos e macrófagos — migram para o local. Eles removem detritos celulares, combatem possíveis bactérias e liberam substâncias que sinalizam a chegada de fibroblastos e células epiteliais. A inflamação é fundamental para evitar infecções; quando se prolonga além do necessário, porém, pode atrasar as fases seguintes.
3. Proliferação
Iniciada poucos dias após o ferimento, essa etapa caracteriza-se pelo crescimento do chamado tecido de granulação, avermelhado e rico em novos capilares. Os fibroblastos depositam colágeno tipo III, que confere sustentação inicial. Enquanto isso, células epiteliais avançam das bordas para cobrir a superfície (reepitelização) e miofibroblastos puxam as margens em direção ao centro, diminuindo o tamanho da ferida. Dependendo da gravidade do corte, a fase pode estender-se por semanas.

Imagem: New Africa via olhardigital.com.br
4. Remodelação
Última e mais longa etapa, pode persistir por meses. O colágeno tipo III é gradualmente substituído por colágeno tipo I, mais resistente. Parte dos vasos formados na fase anterior é reabsorvida, e as fibras de colágeno se reorganizam, conferindo maior força à cicatriz. Embora o tecido cicatricial jamais atinja a elasticidade da pele original, chega a recuperar de 70% a 80% da resistência inicial.
Regeneração ou reparo
Quando as estruturas de suporte permanecem intactas e as células locais mantêm capacidade de multiplicação, o tecido pode regenerar-se sem deixar marcas aparentes. Isso ocorre, por exemplo, em lesões superficiais da pele ou em casos de necrose tubular aguda nos rins. Se a área afetada é extensa, envolve tecidos incapazes de proliferação (como neurônios) ou apresenta infecção, o organismo recorre ao reparo: forma-se tecido cicatricial para preencher o espaço perdido.
Fatores que interferem no tempo de cura
- Idade avançada: diminui a taxa de divisão celular e reduz o aporte sanguíneo.
- Diabetes: compromete a microcirculação, favorece infecções e retarda a deposição de colágeno.
- Infecções locais: mantêm o processo inflamatório ativo e podem destruir tecido recém-formado.
- Deficiências nutricionais: prejudicam todas as etapas, sobretudo a síntese de proteínas estruturais.
Nutrientes indispensáveis
Para que cada fase evolua sem intercorrências, o corpo depende de aporte adequado de macronutrientes e micronutrientes.
- Proteínas: fornecem aminoácidos essenciais à formação de fibras de colágeno e de novas células.
- Carboidratos: garantem energia rápida para a atividade celular intensa no local da lesão.
- Gorduras saudáveis: auxiliam na absorção de vitaminas lipossolúveis e na produção de mediadores anti-inflamatórios.
- Vitaminas A, B, C e E: participam de reações enzimáticas, síntese de colágeno e proteção contra radicais livres.
- Minerais como zinco, ferro e cobre: atuam como cofatores de enzimas envolvidas na remodelação tecidual.
- Aminoácidos específicos, entre eles arginina e prolina: estimulam diretamente a produção de colágeno.
Em feridas extensas ou quando a alimentação não supre essas demandas, nutricionistas e médicos podem recomendar suplementação para acelerar a cicatrização e reduzir o risco de complicações.