Congresso avalia recuar imposto sobre debêntures para proteger obras de infraestrutura

Congresso avalia recuar imposto sobre debêntures para proteger obras de infraestrutura

Brasília — Uma reunião da Comissão Mista da Medida Provisória 1.303/2025, marcada para esta quarta-feira, 3 de setembro, tornou-se o ponto central das negociações para rever o novo modelo de tributação sobre debêntures incentivadas e outros títulos de crédito usados no financiamento de obras de infraestrutura.

Cronograma apertado para alterar a MP

Publicada a 11 de junho, a MP 1.303 elevou de 15 % para 25 % o Imposto de Renda cobrado às empresas que aplicam em debêntures de infraestrutura, CRAs, CRIs, LCIs, LCAs, LCDs e fundos como FIIs, Fi-Infra e Fiagros. Para investidores individuais, antes isentos, foi criada uma alíquota de 5 %. O Congresso tem até 8 de outubro para aprovar alterações; caso contrário, o texto caduca.

O relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), admite inserir um “ponto de corte” para impedir que projectos já licitados sejam atingidos pela nova taxa. Segundo parlamentares e representantes do sector, o Executivo também demonstra abertura para rever a medida, reconhecendo o impacto potencial sobre concessões de transporte, energia e saneamento.

Financiamento privado em risco

As debêntures incentivadas, criadas em 2011, tornaram-se a principal fonte de financiamento privado de longo prazo para infra-estruturas. Em 2024, emissões somaram 135 mil milhões de reais, valor recorde da série histórica, com 80 % provenientes de companhias privadas. Estima-se que o instrumento responda por 60 % do capital alocado em concessões, ultrapassando o BNDES e outros bancos de fomento.

A nova tributação ameaça reduzir drasticamente essa participação. Estudo da consultora Pezco Economics projeta queda de 50 % nas emissões já em 2026. O défice seria compensado com recursos públicos: o Tesouro Nacional teria de injetar 335 mil milhões de reais no BNDES até 2030 para sustentar o ritmo de investimento, calcula a análise.

Efeitos sobre preços e segurança jurídica

Para Letícia Queiroz, sócia da Queiroz Maluf Reis Advogados e convidada da comissão, a medida pode encarecer financiamentos, diminuir a atratividade dos leilões e provocar aumento de tarifas ao consumidor em novos projectos. Mais de 90 % das debêntures são adquiridas por pessoas colectivas, directamente impactadas pelo salto de 10 pontos percentuais na taxa de imposto.

A advogada recorda que eventuais alterações retroativas agravam a insegurança jurídica e geram pedidos de reequilíbrio contratual. “O sector de infra-estrutura é considerado área virtuosa do governo; alterar incentivos após decisões de investimento criaria passivos relevantes”, alerta.

Motivações e críticas

O secretário da Receita Federal, Robson Barreirinhas, reconheceu que a mudança teve motivação regulatória: emissões elevadas de debêntures, LCIs e LCAs estariam a pressionar as taxas de juro e a concorrer com títulos públicos. Especialistas contestam a equiparação, lembrando que apenas as debêntures financiam directamente infra-estruturas, enquanto os demais papéis contam com alternativas de crédito nos sectores imobiliário e agroindustrial.

Ewerton Henriques, director da SH Consultoria, nota que o próprio BNDES recorre às debêntures incentivadas, como ocorreu na concessão de saneamento do Rio de Janeiro. Na sua opinião, manter a MP inalterada será “um tiro no pé”: o aumento de imposto reduz a rentabilidade dos concessionários e, nos futuros projectos, tende a refletir-se em tarifas mais elevadas.

Próximos passos

Durante a reunião, parlamentares, governo, advogados e representantes do mercado discutirão ajustes capazes de preservar o incentivo fiscal, pelo menos para obras já contratadas. A expectativa é apresentar um relatório ainda em setembro, a tempo de votação nas duas casas do Congresso.

Sem consenso, o sector privado prevê abrandamento na emissão de títulos, adiamento de leilões e encarecimento de projectos. Com o prazo de 8 de outubro a aproximar-se, aumenta a pressão para que Executivo e Legislativo conciliem objectivos de arrecadação com a necessidade de garantir fontes estáveis de capital para infraestrutura.

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