Chuva intensa substitui garoa e cresce 30% em São Paulo, indicam estudos
São Paulo ficou conhecida como “terra da garoa” desde a década de 1930, mas o quadro pluviométrico da maior metrópole brasileira mudou de forma significativa nos últimos tempos. Levantamento da Revista Pesquisa Fapesp, baseado em registros de oito décadas, aponta que o volume de chuva na capital aumentou 30% no período, alterando a frequência de eventos leves e reforçando tempestades fora de época.
Na comparação histórica, a média anual passou de cerca de 1.200 milímetros em 1930 para 1.600 milímetros nos anos 2000. A variação aritmética indica acréscimo aproximado de 5,5 milímetros a cada ano. O aumento, porém, não se distribui uniformemente: há redução de episódios de garoa — precipitações inferiores a 5 milímetros — e crescimento de chuvas moderadas a fortes, inclusive no inverno, tradicionalmente seco.
Clima tropical de altitude
Situada numa região de clima tropical de altitude, a cidade recebe influência direta do relevo. Exemplos como Campos do Jordão, a 1.628 metros acima do nível do mar, ilustram como a elevação favorece maior pressão atmosférica, circulação de ventos e formação de nuvens carregadas. Esse quadro natural já propicia índices pluviométricos elevados, mas fatores recentes reforçam a ocorrência de tempestades.
Efeito ilha de calor e urbanização
Especialistas do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo apontam a urbanização e o chamado efeito ilha de calor como componentes decisivos na alteração do regime de chuvas. Concentração de prédios, grandes áreas pavimentadas e escassez de vegetação acumulam calor ao longo do dia e liberam a energia lentamente à noite. Essa dinâmica eleva a temperatura média da superfície urbana, intensifica a convecção e cria condições favoráveis ao desenvolvimento de nuvens de grande porte.
A poluição atmosférica atua de forma complementar. Partículas em suspensão servem como núcleos de condensação, facilitando a formação de gotas de água e potencializando precipitações mais volumosas, sobretudo nas estações já úmidas, como primavera e verão.
Influência do Atlântico
Outro elemento verificado no estudo é o aquecimento do Atlântico próximo ao litoral paulista. Dados entre 1950 e 2000 mostram elevação de 21,5 °C para 22,5 °C na temperatura superficial do mar. Embora a diferença pareça pequena, um grau adicional amplia a taxa de evaporação e deixa a brisa marítima mais carregada de umidade.
Esse ar úmido proveniente da Baixada Santista costuma avançar pela Serra do Mar no fim da tarde. Ao encontrar o calor represado sobre o centro urbano, o choque de massas estimula nuvens cumulonimbus, responsáveis pelas chuvas intensas que, com frequência, coincidem com o horário de pico no trânsito paulistano.

Imagem: Reprodução via olhardigital.com.br
Extremos cada vez mais comuns
Os dados reunidos pela Fapesp indicam que São Paulo caminha para um cenário de extremos: períodos de fortes precipitações alternados com intervalos prolongados de estiagem. Segundo a pesquisa, o padrão se repetiu de forma consistente nas últimas décadas, revelando tendência de intensificação das chuvas em curtos espaços de tempo e redução da regularidade diária.
Essa mudança afeta a gestão urbana, pois tempestades localizadas sobrecarregam redes de drenagem e elevam o risco de alagamentos. Ao mesmo tempo, a diminuição de chuvas leves implica menor recarga gradual do solo, dificultando o controle de umidade durante as estações secas.
Simulações de mitigação
Modelos computacionais analisados pelos pesquisadores sugerem medidas de mitigação. Entre elas, a ampliação das áreas verdes em 25% dentro da Região Metropolitana. Os cálculos indicam que a expansão reduziria a temperatura média entre 1,5 °C e 2,5 °C. Um ambiente mais ameno tende a enfraquecer o efeito ilha de calor e, por consequência, a intensidade das tempestades.
A proposta dialoga com políticas de arborização já estudadas pelo poder público, mas ainda depende de planejamento para conciliar densidade populacional, ocupação do solo e preservação de espaços livres.
Perspectivas
Enquanto iniciativas estruturais não ganham escala, os indicadores meteorológicos mantêm a capital em alerta. A combinação de clima de altitude, aquecimento oceânico, urbanização intensa e poluição continua a favorecer episódios de chuva forte. A cidade, que um dia se destacou pela garoa persistente, agora convive com temporais cada vez mais frequentes, exigindo estratégias de adaptação tanto na infraestrutura quanto na rotina dos moradores.