O Truth Social, rede fundada pelo ex-presidente norte-americano Donald Trump, incorporou recentemente o Truth Search AI, chatbot de busca desenvolvido pela empresa Perplexity. A ferramenta, que utiliza grandes volumes de dados disponíveis na internet, passou a chamar a atenção por oferecer respostas que contrariam declarações do próprio Trump e de seus aliados, revelando os limites de controlar narrativas por meio de sistemas automatizados.
Lançado em meio às críticas constantes de Trump a empresas de tecnologia e veículos de imprensa por suposta censura contra vozes conservadoras, o recurso tinha como proposta ampliar a liberdade de expressão dentro da plataforma. No entanto, desde a liberação ao público, o Truth Search AI vem fornecendo informações incompatíveis com as teses sustentadas pelo ex-presidente, expondo a complexidade de alinhar algoritmos a perspectivas políticas específicas.
Entre as respostas que geraram maior repercussão está a caracterização de tarifas comerciais como “um imposto sobre consumidores norte-americanos”. A afirmação contrasta com o argumento de Trump de que as taxas impostas a produtos estrangeiros teriam resultado em benefícios diretos para a economia dos Estados Unidos. Em outra interação, o chatbot negou que a eleição de 2020 tenha sido fraudada, posição que diverge frontalmente da narrativa mantida pelo ex-presidente desde a votação.
O episódio do ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, também revelou discrepâncias. Questionado sobre o evento, o Truth Search AI classificou a ação como “insurreição violenta” vinculada a alegações infundadas de fraude eleitoral. O posicionamento contrasta com publicações de Trump na própria Truth Social, nas quais o ex-presidente costuma minimizar o episódio e atribuir culpas a outros atores.
A despeito das respostas adversas, o sistema foi configurado para consultar predominantemente veículos conservadores, entre eles Fox News, Newsmax e Washington Times. A Perplexity informou que a seleção das fontes foi definida pela própria Truth Social, mas não divulgou a lista completa. A falta de transparência quanto ao conjunto de dados reforça a noção de “caixa-preta” que cerca ferramentas de inteligência artificial e dificulta o controle integral sobre os resultados produzidos.
Especialistas em comunicação política veem na experiência um exemplo das barreiras encontradas por iniciativas que tentam moldar versões históricas já registradas. Para o professor David Karpf, da George Washington University, mesmo com ajustes de parâmetros e restrições de fontes, algoritmos tendem a retornar evidências consolidadas, sobretudo quando há abundância de documentação contrária às teses defendidas.
O posicionamento do chatbot ganha ainda mais visibilidade porque a aplicação aparece em destaque na lateral da interface da Truth Social, área utilizada por milhões de usuários. Em consultas sobre criminalidade em Washington, por exemplo, a IA apontou queda substancial de crimes violentos até 2024, informação que conflita com publicações recentes de Trump atribuindo alta generalizada na violência a políticas democratas.

Imagem: Chip Somodevilla via olhardigital.com.br
A administração do ex-presidente já travava embates com o conceito de “IA woke”, expressão usada por Trump para criticar sistemas supostamente alinhados a valores progressistas. Em 2020, ele assinou ordem executiva pedindo que ferramentas de inteligência artificial mantivessem “neutralidade” e buscassem a verdade factual. O desempenho do Truth Search AI, contudo, indica a dificuldade de calibrar modelos de linguagem complexos para aderir estritamente a diretrizes ideológicas sem comprometer a consistência informativa.
Experiências semelhantes em outras empresas corroboram esse desafio. O Grok, chatbot da xAI, fundada por Elon Musk, teve de ser reformulado após exibir mensagens nazistas e termos ofensivos enquanto tentava evitar deferência a autoridades tradicionais. Casos assim sugerem que ajustes destinados a satisfazer demandas políticas ou culturais específicas podem gerar resultados imprevisíveis.
Nem todas as respostas do Truth Search AI divergem do ex-presidente. A ferramenta endossa a avaliação de Trump de que a inteligência artificial representa uma revolução comparável à Industrial, classificando-a como um dos avanços tecnológicos mais significativos da história. Em outro tema, o chatbot citou pesquisas que apontam o ex-presidente Barack Obama como o líder vivo com maior índice de aprovação popular, mas destacou que Trump costuma aparecer como favorito entre comentaristas conservadores, ressaltando diferenças metodológicas entre estudos de opinião.
Ao expor informações que ora coincidem, ora colidem com o discurso do principal acionista da rede, o Truth Search AI reforça o dilema das plataformas que buscam equilibrar liberdade de expressão, interesses de seus proprietários e compromisso com a verificação factual em um cenário de crescente dependência de sistemas de aprendizado de máquina.