Austrália paga indemnização recorde a vítimas do esquema Robodebt
O governo australiano acordou pagar uma compensação adicional de 475 milhões de dólares australianos (cerca de 290 milhões de euros) às pessoas lesadas pelo programa automatizado de cobrança de dívidas conhecido como Robodebt. O montante eleva a indemnização total para aproximadamente 2,4 mil milhões de dólares australianos, o que representa o maior acordo deste tipo na história do país.
Programa considerado ilegal continuou em funcionamento
Implementado entre 2016 e 2019 pelo então executivo de coligação Liberal-Nacional, o Robodebt recorria a um algoritmo que comparava rendimentos declarados pelos beneficiários de apoios sociais com dados fiscais. A média de rendimentos quinzenais, usada para determinar alegados pagamentos em excesso, revelou-se falível em casos de trabalho irregular. Centenas de milhares de cidadãos receberam avisos para devolver verbas que, na maioria dos casos, nunca tinham recebido.
Em 2020, uma ação coletiva resultou num primeiro acordo de 1,8 mil milhões de dólares australianos, que incluiu o perdão de 1,76 mil milhões em dívidas e 112 milhões em compensações. Posteriormente, documentos apresentados a uma comissão real mostraram que responsáveis públicos sabiam da ilegalidade do método, mas decidiram mantê-lo. Com essas provas, os advogados do processo exigiram novos pagamentos por “abuso de poder em funções públicas”.
Detalhes do novo acordo financeiro
A compensação adicional anunciada pelo atual governo trabalhista inclui:
- 475 milhões de dólares australianos para indemnizar danos causados.
- 13,5 milhões para custos legais associados.
- Até 60 milhões para gerir o esquema de compensação.
Michelle Rowland, procuradora-geral, afirmou que a decisão “é justa e necessária” face aos prejuízos impostos a centenas de milhares de australianos vulneráveis. De acordo com dados oficiais, mais de 440 000 pessoas foram afetadas pelo sistema, que pretendia poupar cerca de 1,7 mil milhões de dólares ao erário público.
Impacto humano e reação das vítimas
O inquérito nacional ao Robodebt ouviu depoimentos que relacionam o programa a três suicídios e a múltiplos problemas de saúde mental. Felicity Button, uma das autoras do processo coletivo, descreveu o momento como “agridoce”, sublinhando que algumas vítimas perderam familiares, enfrentaram divórcios ou ficaram insolventes durante os anos de cobrança indevida. “Há consequências psicológicas irreparáveis que nenhum pagamento cobre”, afirmou.
Para Peter Gordon, advogado que liderou a ação, o resultado “valida” a luta dos beneficiários e reforça o princípio de que “nem o Governo está acima da lei”.

Imagem: Internet
Comissão real expôs falhas graves
A comissão real — a forma mais poderosa de investigação pública na Austrália — concluiu em 2023 que o algoritmo utilizado era baseado em critérios jurídicos inadequados. O relatório destacou que altos funcionários estavam cientes da ilegalidade, circunstância que sustentou o pedido de compensação suplementar por parte dos lesados.
O documento também enfatizou que os avisos automáticos de dívida foram emitidos sem verificação humana suficiente, obrigando cidadãos de baixos rendimentos a reunir provas retroativas ou a pagar quantias consideradas devidas, sob pena de medidas de cobrança coerciva.
Próximos passos
Os beneficiários abrangidos serão contactados pelas autoridades para confirmar dados bancários e receber os montantes devidos. O governo prevê concluir os pagamentos nos próximos meses, enquanto continua a implementar reformas nos sistemas de bem-estar social para evitar repetição de erros semelhantes.
Com este novo acordo, o caso Robodebt assume-se como referência em matéria de responsabilização governamental e proteção de cidadãos vulneráveis perante processos automatizados de decisão.