Anotações de assessor de Braga Netto apontam intenção contínua de Bolsonaro de permanecer no poder

Documentos apreendidos pela Polícia Federal no telefone celular do coronel da reserva do Exército Flávio Peregrino, que atuava como assessor do general Walter Braga Netto, revelam bastidores de tentativas de manter o então presidente Jair Bolsonaro no cargo após a derrota eleitoral de 2022. As mensagens, anotações e arquivos resgatados na operação que prendeu Braga Netto, em dezembro do ano passado, indicam que Bolsonaro seria o articulador das iniciativas para contestar o resultado das urnas e que integrantes das Forças Armadas buscaram alternativas consideradas “constitucionais” para sustentá-lo no poder.

O material inclui um documento intitulado “Ideias gerais da defesa”, redigido por Peregrino em 28 de novembro de 2024. Nele, o coronel critica a estratégia pública da defesa de Bolsonaro, que vinha atribuindo as articulações golpistas a integrantes militares. Segundo o assessor, a versão apresentada pelos advogados do ex-presidente não correspondia ao que testemunhou: “Tudo isso para achar uma solução e ajudar o presidente Bolsonaro a se manter no governo (pois sempre foi a intenção dele)”, registrou, referindo-se às discussões sobre Estado de Defesa, Estado de Sítio, Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e artigo 142 da Constituição.

As anotações demonstram desconforto entre militares envolvidos no entorno do Palácio do Planalto. Peregrino apontou “falta total de gratidão” de Bolsonaro ao tentar transferir responsabilidades por eventuais crimes aos oficiais que permaneceram ao seu lado após o segundo turno. O coronel também reconheceu falhas do grupo fardado, citando a ausência de uma ação firme para desmontar acampamentos diante de quartéis e para dissuadir o então presidente de insistir em medidas de ruptura institucional.

A apreensão do telefone ocorreu em 14 de dezembro de 2023, na mesma operação em que Braga Netto foi detido preventivamente sob acusação de integrar trama golpista. Peregrino passou a ser investigado por supostamente tentar obter detalhes sigilosos da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, mas não foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República nas petições encaminhadas ao Supremo Tribunal Federal (STF). Os elementos coletados continuam em análise pela Polícia Federal.

Em mensagens enviadas a si mesmo no WhatsApp, o assessor detalhou, ao longo de novembro e dezembro de 2022, a percepção de que o círculo próximo de Bolsonaro avaliava cenários para contestar o resultado das urnas, questionando a segurança do sistema eletrônico de votação. Peregrino relatou que, naquele momento, a defesa do ex-presidente passou a defender a tese de que ele teria resistido a pressões externas para consumar o golpe, algo que o coronel considerou incompatível com os fatos presenciados.

As anotações destacam ainda que, nos dias seguintes à eleição, Bolsonaro teria ficado politicamente isolado, nacional e internacionalmente, o que levou seus aliados militares a buscar “soluções jurídicas” para prolongar o mandato. Mesmo assim, o coronel aponta uma ruptura posterior: “Aqueles que ficaram com ele até o fim, ele aparenta estar soltando a mão agora pela sobrevivência de seu projeto político e de poder”, escreveu.

Anotações de assessor de Braga Netto apontam intenção contínua de Bolsonaro de permanecer no poder - Imagem do artigo original

Imagem: terra.com.br

Outro trecho mostra que Peregrino interpretou a mudança de discurso da defesa como tentativa de provocar reação do Judiciário: para ele, o ex-presidente estaria “forçando uma ordem de prisão” que corroborasse a narrativa de perseguição pelo STF. Essa observação foi registrada em 2 de dezembro de 2024, nove meses antes de o ministro Alexandre de Moraes determinar a prisão domiciliar de Bolsonaro por descumprimento de medidas cautelares.

Procurados, os advogados de Braga Netto não se manifestaram, e a defesa de Jair Bolsonaro não enviou resposta. Já o advogado de Flávio Peregrino, Luís Henrique Prata, afirmou que as anotações refletem exercício de liberdade de expressão no contexto da assessoria jurídica e enfatizou a “lealdade dos militares” na busca de saídas previstas na Constituição.

Os novos elementos reforçam a acusação contra Bolsonaro no inquérito que apura tentativa de golpe e que será submetido ao STF. A corporação analisa se o material obtido no aparelho de Peregrino comprova a participação direta do ex-presidente na coordenação de iniciativas para subverter o resultado das eleições de 2022.

Deixe uma resposta

Rolar para cima