Acordo UE-Mercosul corta tarifas e reacende debate sobre ambiente e agricultura

Acordo UE-Mercosul corta tarifas e reacende debate sobre ambiente e agricultura

A Comissão Europeia prepara-se para apresentar ao Parlamento e aos Estados-membros o acordo comercial negociado com o Mercosul. O texto prevê a eliminação gradual da maioria das tarifas entre os dois blocos e inclui disposições sobre quotas agrícolas, contratação pública e protecção de indicações geográficas.

Tarifas e quotas agrícolas

Segundo o documento, o Mercosul compromete-se a suprimir direitos aduaneiros sobre 91 % das exportações europeias num período de quinze anos, colocando fim aos actuais 35 % aplicados aos automóveis, entre outros produtos. Em sentido inverso, a União Europeia eliminará tarifas sobre 92 % das exportações sul-americanas no máximo em dez anos.

O acordo abrange igualmente bens agrícolas. Países do Mercosul retirarão taxas hoje impostas a vinhos europeus (17 %) e a bebidas espirituosas (20-35 %). Para mercadorias sensíveis, Bruxelas propõe quotas adicionais: destaque para 99 000 toneladas métricas de carne bovina isentas de direitos, além de volumes para aves, suínos, açúcar, etanol, arroz, mel e milho. Em contrapartida, o Mercosul concede à UE uma quota livre de impostos de 30 000 toneladas de queijo, bem como contingentes para leite em pó e fórmulas infantis.

O texto reconhece 350 indicações geográficas europeias, como Parmigiano Reggiano, visando travar imitações nos mercados sul-americanos.

Argumentos favoráveis

A Comissão, apoiada por governos como Alemanha e Espanha, defende que o pacto é o maior já concluído pela União em matéria de reduções alfandegárias, estimando um alívio anual superior a 4 mil milhões de euros em taxas sobre exportações europeias. Bruxelas sustenta que a UE obterá vantagem competitiva devido ao reduzido número de acordos de livre-comércio em que o Mercosul participa.

Outro ponto sublinhado pelos proponentes é o acesso de empresas europeias a concursos públicos em Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai em condições equivalentes às firmas locais — oportunidade nunca concedida pelo bloco sul-americano noutros tratados. Além disso, o texto proíbe taxas de exportação sobre a maioria dos minerais considerados essenciais, como lítio, contribuindo para a estratégia europeia de diminuir dependência da China em cadeias de valor críticas.

No plano agrícola, a Comissão enfatiza que a carne adicional representaria apenas 1,6 % do consumo bovino comunitário e 1,4 % do consumo de aves, apontando as 200 000 toneladas já importadas anualmente como prova de compatibilidade com as normas sanitárias europeias. O acordo contempla ainda salvaguardas que podem ser activadas caso surjam perturbações de mercado.

Principais críticas e obstáculos

Organizações ambientalistas, lideradas pela Friends of the Earth, classificam o pacto como «destruidor do clima». Argumentam que a procura acrescida de produtos agro-alimentares sul-americanos incentivará o desmatamento, sobretudo na Amazónia, com impactos negativos para biodiversidade e direitos humanos.

Dentro da União, França, Itália e Polónia manifestaram reservas. Paris condiciona a ratificação a garantias de protecção para a agricultura francesa e europeia, enquanto Roma e Varsóvia partilham preocupações semelhantes. Juntos, estes três Estados dispõem de votos suficientes para travar a aprovação final.

Sindicatos agrícolas europeus têm promovido protestos, alertando para a entrada de matérias-primas a baixo custo, especialmente carne bovina, alegadamente produzidas com padrões ambientais e sanitários menos exigentes. A Comissão insiste que a legislação da UE não será flexibilizada. O texto inclui compromissos ambientais, entre os quais a meta de evitar novo desflorestamento após 2030, mas activistas consideram que as disposições carecem de mecanismos de execução eficazes.

Próximos passos

Após a apresentação formal, o acordo terá de ser aprovado pelo Parlamento Europeu e ratificado pelos 27 Estados-membros. O processo poderá prolongar-se, dado o debate político em curso sobre agricultura, clima e autonomia estratégica.

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